Porque PC Siqueira e Jessica Vitória dizimou a própria vida

 
  • Duas pessoas que poderiam ter encontrado tratamento para sua dor e ao invés disso, foram vítimas de fake news e discurso de ódio.

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Na última semana Jessica Vitória e PC Siqueira tiraram sua prórpria vida após incessante linchamento na internet causado por fake news.
Eu apoio a lei que regule e puna páginas e pessoas que distribua fake news, independente da sua posição social ou política.

Eu me trato de depressão a mais de dez anos, já tentei algumas vezes acabar com minha dor através do suicídio. Atualmente eu faço tratamento recorrente e me vejo com as dores e tristezas controladas.

Depois dos últimos acontecimentos, me senti muito mal e sinto a necessidade de falar sobre essa situação. Vou contar um cenário que aconteceu comigo, posso dizer que era fake news, porém na época não usávamos esse termo e não existia internet deliberada com redes sociais onde as pessoas se sentem juízes na vida das outras pessoas.

Quando eu tinha quinze anos, estava em um relacionamento desde os treze anos com um rapaz de 22 anos. Não tínhamos contato corporal, era no máximo conversas que não tinham fundamento nenhum nem objetivos (coisa de criança, que eu era na época). Ele trabalhava em SP e eu morava em MG, então nosso namoro era basicamente por cartas. Não existia celular e os cartões de orelhão eram caros e acabavam muito rápidos. No final do ano ele visitava e família e ia até minha casa, para conversarmos e matarmos a saudade. Em uma tarde eu estava na mercearia do meu pai e ele passou na frente de moto, mas não parou na mercearia para me ver. Meu coração acelerou de forma feliz porque eu veria ele antes do dia de culto, que era onde a gente se encontrava. Depois de quase uma hora ele veio até a mercearia e não quis me beijar, me cumprimentou de forma áspera e rude. Eu não sabia o que estava acontecendo. Ele me disse que iria terminar o relacionamento. Eu, sem entender, quis saber o porquê. Foi aí que veio a fake news.

__ Meus amigos me disseram que você ficou com todos os rapazes daqui do bairro.

Eu fiquei sem reação e ele concluiu que fiquei em silêncio por que era verdade. Mas eu era muito tímida, não sabia como reagir a uma situação como essa. Comecei a chorar como uma criança desesperada pedindo para ele não acreditar naquilo porque era mentira. Ele foi irredutível. Fechei a mercearia e pedi para ele me encontrar na rua. Essa foi minha primeira humilhação em público. Eu nem precisava que ele voltasse a namorar comigo, só precisava que ele acreditasse em mim. Minha família só soube que ele tinha terminado, mas não sobre as fake news, então, o máximo de apoio que tive foi "isso vai passar logo".

Essas fake news causaram tanto alvoroço e todos os amigos dos amigos dele ficaram sabendo e começaram a investir para ficar comigo, acreditando que eu era uma garota fácil e daí veio a segunda fake news.

Eu estava voltando para casa após dar aula de música na igreja e um homem casado me seguiu na estrada estreita da minha rua de moto e segurou o meu braço me fazendo parar bruscamente. Ele me pediu um beijo. Eu respondi que não e apressei os passos. Ele continuou me seguindo até quase perto da minha casa e eu corri quando vi um vislumbre da minha casa. Cheguei em casa com o coração saltando pela boca. Minha mãe perguntou porque eu estava pálida, falei que era porque eu tinha vindo correndo e estava com sede. Ela acreditou.

No dia seguinte era dia de culto na igreja e eu tocava órgão lá. Depois do culto, o cooperador chamou meus pais e eu para conversarmos.

__ O Nassiz veio até minha casa chorando ontem, dizendo que sua filha estava dando em cima dele e que já não aguentava mais as investidas dela.

Eu arregalei os olhos, obviamente. Eu já estava abalada das fakes anteriores e olhei para os céus questionando Deus o que eu teria feito para merecer tudo aquilo.

O cooperador disse que chamaria o diácono da igreja para decidir se eu poderia continuar tocando na igreja.

Enfim, chegamos em casa e minha mãe falou para eu ir para meu quarto orar a Deus, porque eu estava sendo perseguida por ficar sorrindo para todo mundo. Esse foi um dos motivos de eu ter parado de sorrir. Não tive apoio, ninguém do bairro acreditou em mim, nem a menina que se dizia minha amiga, pois ela trabalhava na casa do dito cujo.

Depois dessas tragédias, eu comecei a me isolar, além do medo que eu tinha do meu pai, porque ele sempre me assediava dentro de casa. Minha vida se tornou um abismo infinito. Minha alma sentia a dor de culpa por sorrir e a dor emocional de ter que ser julgada por coisas que eu não tinha feito. Foi nesse abismo escuro, solitário e sem fim que tive minha primeira tentativa de suicídio. Minha mãe falou que a solução dos meus problemas era orar mais, eu precisava parar de bobagem de tentar se matar. Depois dessa tentativa frustrada, minha dor só aumentou, pensei que eu estava causando problemas para minha família e eu não ter morrido, foi um problema inútil e preocupação desnecessária. Me senti mais angustiada por não ser capaz de fazer nada direito (referindo a tentativa). Comecei a fazer coisas em casa tentando me sentir útil. Lavar casa, roupa, fazer adobro, cozinhar (queimei meu braço porque não sabia cozinhar), costurar minhas roupas. Mas a dor continuava lá e o labirinto escuro ainda pairava na minha vida. Era só ir para igreja que me sentia julgada pelos olhares, voltava ainda pior.

Aí tive outra tentativa frustrada. Fiquei com sequelas e minha mãe me mandou para São Paulo para morar com minha irmã.

O fato de eu contar isso aqui, é para dizer que mesmo antes dos celulares e da internet, já existiam fake news, porém, se eu me isolasse em casa, os ataques não chegavam até a mim, tanto que após ir para São Paulo, eu senti menos os julgamentos. Ainda tenho gatilhos quando volto lá em Minas, evito ir lá de todo jeito.



Na última semana vi as reportagens que a Jessica tirou a própria vida porque espalharam uma fake com o nome dela, e os fãs do famoso Whindersson se sentiram no direito de xingar, atacar, ofender, mesmo dizendo que aquilo era falso. Eu sinto uma angústia tão grande em ver que as pessoas por trás de uma tela, sem objetivo próprio de vida, se sente no direito de julgar e atacar pessoas, simplesmente para sentir a sensação de pertencimento em algum grupo. Essas notícias me causam desconforto e empatia, porque eu entendo o sentimento do cancelamento e das fake news.

Isso alguns especialistas explicam e poucas pessoas entendem.

“Pertencimento é aquela percepção de alguém fazer parte de uma comunidade, de uma família, de um grupo, de uma nação. Ele está muito ligado ao reconhecimento e a como um cidadão tem respeitadas a sua dignidade, a sua cultura, e as suas diferenças”, explica Miriam Debieux Rosa, professora titular do Instituto de Psicologia da USP e coordenadora do Laboratório de  Psicanálise, Sociedade e Política da USP.

Só que hoje em dia, com a cultura do respeito a si próprio independente de fazer bem ou mal para outra pessoa, está acima do pertencimento. Pessoas simplesmente dizem. "É minha opinião e pronto" e querem respeito por uma opinião que causa dor e angústia na outra pessoa. A empatia acabou e o sentimento de união hoje em dia só funciona até alguém discordar da opinião do outro. Não existe mais resiliência, perdão, direito de mudar de opinião. Isso, além da cultura do cancelamento. Um grupo de pessoas que parecem não ter deveres nem objetivos na vida, montam fofocas na internet a troco de nada para causar o cancelamento de uma pessoa simplesmente porque não gostou da posição política, ou por ter opinião diferente e até mesmo só para viralizar e conseguir likes.

As pessoas precisam entender que a humanidade está em constante evolução, o que hoje é, amanhã não é. Opiniões podem ser mudadas. E que cada pessoa tem uma forma de encarar a situação. Eu digo por experiência própria, não sei se aguentaria um cancelamento em massa hoje. Minha saúde mental é frágil, por isso tenho a necessidade de me isolar ocasionalmente, e consigo fazer isso, tem gente que não consegue. Eu tenho um marido que me serviu de apoio, quando digo apoio, não é eu depender física e emocionalmente da pessoa, é simplesmente a pessoa entender os momentos de reclusão, entender que eu preciso tomar remédios continuamente, é segurar na minha mão quando eu fico com tendência de dependência do álcool, ou até mesmo quando os pensamentos autodestrutivos aparecem. Ele sabe e entende os sinais e me apoia, me ajuda, às vezes até me controla, de forma que algumas pessoas achariam abusivas, dizer "hoje você não vai tomar a cervejinha" ou "você não vai tomar vinho porque te dá dor de cabeça, devido aos remédios".

Na perspectiva da geração "independente" de hoje, que acredita no "eu posso fazer o que eu quiser, porque a vida é minha". Se fosse assim comigo, eu não estaria aqui contando essa história, nem estaria casada há 17 anos, o que é muito raro nos casamentos atuais.

Na história do Whindersson nunes, dá para sentir a angústia dele por fazer parte de algo que ele não deseja, causar uma dor em alguém que ele nem conhece porque uma página decidiu criar umas fake news porque precisava de algo para viralizar.

No caso do PC Siqueira, pelo depoimento dele, dava para perceber que ele queria seguir uma vida aceitável nos padrões, mesmo que isso tivesse causando dor psicológica nele. Ele estava tentando agradar à massa. Além das fakes que criaram do envolvimento dele que mesmo depois da morte a comunidade julgadora da internet desejou que ele tivesse morrido antes. É difícil aceitar uma coisa dessa. Não teve provas, não teve indiciamento, mas para a internet ele era pedófilo. POR QUÊ? Outra coisa que ficou claro, era que o PC não se sentia bonito o suficiente para viver em sociedade. É claro que a depressão causa essa repulsa de si, mas muito disso vem dos julgamentos infundados e da necessidade de querer agradar a massa para não perder seguidores.

"Alienados da investigação da polícia, usuários das redes sociais massacraram PC Siqueira nos últimos quatro anos, e o youtuber, que negava envolvimento com o caso de pedofilia, acometido por depressão, tentou suicídio em outras oportunidades, perdeu empregos e chegou a pedir ajuda financeira para seus seguidores." É isso que são essas pessoas, ALIENADAS.

"A alienação é a diminuição da capacidade dos indivíduos em pensar ou agir por si próprios.

Os indivíduos alienados não têm interesse em ouvir opiniões alheias e apenas se preocupam com o que lhe interessa, por isso são pessoas alienadas. Um indivíduo alienado pode ser também alguém que perdeu a razão.

Na psicologia, o termo alienação designa os conteúdos reprimidos da consciência. Também pode indicar estados de despersonalização em que o sentimento e a percepção da realidade se encontram fortemente diminuídos..

"A nova tendência social do século XXI baseia-se, fundamentalmente, no conceito de Amor-próprio. Devido a massiva pressão do mercado de beleza pela busca de um corpo perfeito, a sociedade, hoje, enfrenta essa realidade pela justa valorização das características individuais. Não devemos mais nos encaixar em padrões preestabelecidos para sermos considerados bonitos. Pessoas estão utilizando da ideia da autoaceitação para justificar desejos oprimidos que, hoje, podem ser revelados sem fortes contradições." Fonte

Enfim, fica aqui o meu repúdio a toda e qualquer forma de linchamento e cancelamento. Fica aqui minha indignação pelo governo não sancionar uma lei que abrange os posts e comentários na internet e puna as pessoas que fazem esse tipo de cancelamento, independente de posição política. Porque o que vi nos últimos dias com a lei das Fake news é que a punição é relativa e só é considerada para punição se falar mal do governo atual (isso não é lei da fake news, é ditadura).

As mortes atuais não são únicas, não são as primeiras e não serão as últimas, mas com alguma humanização e se levadas a sério como uma questão de saúde pública, podemos reduzir a estatistica. E implantar formas mais acessíveis de tratamento de depressão e campanhas de conscientização para que pessoas não julguem a depressão como frescura ou falta de Deus.

"Para a jornalista Renata Mielli, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), as responsabilidades seriam melhores distribuídas se o PL 2630, projeto que trata da regulação das redes sociais, já tivesse sido aprovado pelo Congresso Nacional." Fonte

Fica aqui meus sentimentos à família da Jessica e do PC que obviamente estão sofrendo as suas perdas e ainda sofrer com comentários de alienados da internet que se acham no direito de desejar a morte de outra pessoa.

Essas pessoas que não tem empatia, nem sentimentos, que acham que não tem problemas na sua vida para resolver, por isso se envolve na vida dos outros, tentando dar sentido à sua própria vida insignificante. Fica aqui o meu desprezo e desejo que essas pessoas evoluam e caiam em si e procurem tratamento para sua vida ter tanto significado a ponto de não precisarem procurar significado na vida dos outros.

Pessoas evoluídas não precisam de pertencimento ou comunidade na internet para se sentirem realizados.

Essa é a minha opinião e eu respeito a sua se for diferente da minha.


Escrito por:

Eugênia Haensel

Escritora, revisora, diagramadora e resenhista

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